Ao visitar a Praça do Coreto, talvez você não consiga visualizar nenhum elemento que conte a história do lugar, das antigas manifestações culturais que ali eram praticadas pelas irmandades ou mesmo da anterior existência da Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
No entanto, em seu subterrâneo, ainda permanecem simbólicos resquícios do passado...
Antigamente, era comum que sepultamentos ocorressem no interior dos templos religiosos católicos, com a direta participação das irmandades, que atuavam em caso de morte de seus membros ou terceiros interessados em ter um enterro formal.
A Capela dos Pretos obteve autorização episcopal para funcionar como cemitério em 1758, conforme provisão transcrita por Jayme (1971, p. 532):
"[...] Aos que esta minha provisão virem saúde epas em oSenhor q. de todos É verdadeiro demedio e Salvação: Faço saber que por parte dos Juizes e mais Irmãos pretos da Irmandade de N. S. do Rosario d’esta Freguezia de Meyaponte me foy requerido que tinhão seo compromisso confirmado, epor que tinhão feyto aCapella dadita Senhora, aSua custa eparamentada do necessario para aSelebração dos officios divinos, querião que lhes concedesse as sepulturas dadita Capella, livre e ex-causa da fabrica, o que tudo sendo visto eattendido por mim, precedendo a resposta do Doutor Promotor, conformação do Reverendo vigário, Mandey que justificassem o alegado napetição, avista daquela justificação proferi minha sentença pelaqual e pela presente minha Provizão lhes concedo todas as sepulturas dadita Capella, para nella sepultarem todos os Irmaons, com declaração porem que para o Rey, Rainha, Juiz, Padre capellão no anno em que servem terão sepultura do Arco para sima eaos que tiverem servido do Arco até as grades, epara os mais Irmaons da grade para bayxo, e emquanto aos mais que não forem Irmaons e exigirem sepultura nadita Capella pagarão para a fabrica dadita Caeplla sem prejuizo da Matriz, o que assim cumpirão. [...]."
Conforme os Termos de Compromisso da Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e de São Benedito cada irmão que viesse a falecer, seria acompanhado pela Irmandade com tumba e padre capelão. A localização das sepulturas era definida em razão da hierarquia dos membros da associação: os irmãos não pertencentes à mesa seriam sepultados na parte que correspondia ao cruzeiro em direção à parte de trás do templo, nos locais que estivessem desocupados. Os membros da mesa, por sua vez, se falecidos no ano de seus serviços, seriam enterrados na área que correspondia do cruzeiro até o arco da Capela.
Em caso de Rei, Rainha, Juiz ou Juíza que servia ou que já tivesse servido à Irmandade no momento de seu falecimento, assim como oficiais brancos (irmãos ou não), os sepultamentos deveriam ocorrer arco para dentro. Se juiz perpétuo ou sua mulher, o sepultamento ocorreria no 70 lugar mais alto possível (regra que se aplicava também ao padre Capelão que viesse a falecer durante suas atribuições).
Os não membros da confraria poderiam ser sepultados na tumba da Irmandade mediante o pagamento da quantia de três oitavas de ouro. Caso o sepultamento ocorresse com a presença do Rei e acompanhantes, deveria ser paga a quantia de seis oitavas.
No ano 2000, Pirenópolis passou por intervenções subterrâneas em razão da implantação de rede de telefonia. Na época, foram encontradas ossadas humanas na Praça do Coreto, o que motivou um resgate de emergência realizado pelo IPHAN, que passou a acompanhar a obra com o auxílio no NARQ (Núcleo de Arqueologia da Universidade Estadual de Goiás).
Na época, foram escavadas na região da Praça do Coreto valas de profundidade de 60 cm e caixas de manutenção, com profundidade de 45 cm, sendo constatado pela equipe do NARQ:
Na caixa de manutenção da rede elétrica (ZD14), na calçada sul da praça do coreto, foi encontrado uma estrutura de madeira (esteio) que apareceu a partir dos 45cm de profundidade indo até 1,00m.
Na vala ao lado da caixa de manutenção da rede elétrica ZC1 06, na esquina da rua Aurora com a rua do Rosário, registrou-se outra estrutura de aroeira. Ambas foram registradas e mapeadas como consta na metodologia supra citada e as caixas desviadas preservando as estruturas in loco. [...]
Na caixa de manutenção da rede de telefonia (CP3 - 7 43) na esquina das ruas Aurora e Rosário, na via pública, em frente à pousada Walquiriana, foi observada a presença de um sepultamento a 65cm de profundidade. Acima do mesmo havia uma estrutura de pedras, das quais apenas uma foi removida. Como a abertura da caixa não chegou a afetar os restos esqueletais, optou-se pela preservação do sepultamento, anulação da caixa de manutenção e mudança no projeto.
Além dos ossos humanos, na Praça do Coreto também foram encontrados cerâmica, vidro, louça, metal e um esteio de aroeira de 45 cm a 1.00 cm de profundidade. Conforme as recomendações dispostas no documento de atividades de laboratório do projeto, a cerâmica encontrada nas escavações possui influências africanas ao se comparar o material com os de origem afrodescendente encontrados em outros sítios arqueológicos urbanos. No entanto, o material resgatado em Pirenópolis apresenta decoração que se difere dos demais artefatos, o que precisa ser melhor investigado.
IPHAN. Processo n° 015 16. 000026/2002 -81. Acompanhamento e resgate arqueológico da obra subterrânea na cidade de Pirenópolis – Goiás, 2002a.
JAYME, Jarbas. Esbôco histórico de Pirenópolis. 1. ed. póstuma. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 1971.
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